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Foto do escritorDaniela Amaral

Me aceita como eu sou, quem quer que eu seja


Lexi acordou com uma incrível vontade de comer pêssegos, daqueles bem suculentos e cheirosos, que deixam a vida mais doce. Para esse momento tão especial não podia sair de casa de qualquer jeito. Colocou uma roupa especial, como se estivesse indo para uma balada.


A blusa de paetê dourada que podia ser vista da lua era o ponto forte do look. Maquiou-se de forma caprichada e saiu feliz, saltitando pelas ruas de Nova York a caminho do mercado. No seu semblante era visto a tamanha felicidade que habitava dentro do peito, havia acordado naquele dia certa de que a vida era bela e devia ser vivida como um musical em que todos podem cantar e dançar. O mundo era seu.


Chegando ao supermercado, a caminho do hortifruti, avistou de longe os pêssegos e junto deles, encontrou Jeff, que segundo ela descreveu mais tarde, seria o homem mais gentil que conhecera em toda a sua vida. Conversaram, se encantaram um pelo outro e tomaram café juntos. Em seguida, combinaram um encontro para a quinta-feira à noite. Esse dia era simplesmente perfeito. Depois do trabalho, chegou em casa e colocou os seus lindos pêssegos na fruteira, até que foi tomada por uma profunda tristeza. Num transe apocalíptico, arrastou-se até a cama e lá ficou não por horas, mas sim por dias. Uma tristeza avassaladora havia invadido o seu corpo. A solidão daquele momento era tão grande que não via o tempo passar. Os pêssegos, que outrora eram belos e macios, tornaram-se secos e feios e, assim como Lexi, definhavam com o tempo.


A cena descrita é o terceiro episódio da série Modern Love, produzida pela Amazon Prime. A série é baseada numa coluna com este mesmo nome, publicada pelo jornal The New York Times, em que oito histórias falam sobre diferentes formas de amor, todas ambientadas na cidade de Nova York.


“Me aceita como eu sou, quem quer que eu seja” possui a interpretação de Anne Hathaway, que performa de forma brilhante uma mulher que luta contra a bipolaridade. Pesquisando sobre a série nas redes sociais, li muitas reclamações de pessoas que apresentam o mesmo diagnóstico, falando que nem tudo é como foi retratado e que há um certo exagero na cena principal, em que Lexi entra em uma crise profunda. Na minha opinião, acredito que uma condição mental diferenciada não tem uma fórmula seguida à risca, pois todas têm suas peculiaridades e diferentes formas de ser. Pode ser que na série tenha se utilizado do absurdo para descrever a bipolaridade ou não. O fato é que nem todos os laudados apresentam os mesmos sintomas, não há um cronometro com o prazo de picos de alegria e tristeza, tampouco uma explicação para o gatilho de cada crise.


O que a série traz de melhor, sobretudo nesse episódio, é um olhar sobre as relações humanas modernas, em que, na busca constante de sucesso, reconhecimento e aceitação, tentamos esconder de todos as nossas fragilidades e o que realmente se passa dentro de nós. Nos tornamos personagens feitos para agradar e convencer aqueles que estão ao nosso redor, sempre em busca de aceitação.


Por fim, temos a nítida certeza de que é frustrante não poder tocar aquele mesmo material que Shakespeare (1611) disse que fomos constituídos, afinal, nós “somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos”.


Pinhais, 05 de dezembro de 2023


Daniela Amaral

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