Há coisas na vida das quais é difícil desapegar. Há algum tempo venho planejando a campanha do Dia das Crianças para o escritório. É sempre divertido trazer mais cor e ludicidade para o mundo corporativo. Para dar o passo inicial da ação, planejei começar em casa.
Desde muito cedo ensinei minha filha a praticar o desapego, e confesso que fui muito feliz nessa tarefa, pois ela consegue fazer isso muito melhor do que eu. Remexendo no velho baú de brinquedos, percebo que ela não tem muito mais para doar, pois o que sobrou dentro da caixa são as minhas lembranças. A velha ursinha Peposa que ganhei de minha mãe, o grande urso branco dado pelo meu irmão, e por aí vai.
Imediatamente penso como é difícil me desfazer de pequenos fragmentos do meu passado. Por mais que minhas memórias estejam vivas, aqueles objetos são uma espécie da concretização dessas lembranças.
Então, vergonhosamente, escondo meus pequenos tesouros e vou em busca dos brinquedos dela, e deparo com o mesmo dilema. Como me desfazer da primeira boneca que dei para ela? Aquela que comprei naquela feirinha, naquele lugar, no dia tal para dar em seu primeiro Dia das Crianças. Como doar o Sr. e a Sra Batata? Será que o novo dono vai lembrar que eles são apaixonadinhos como diz o terceiro filme Toy Story? Seria imperdoável separá-los.
Parada ali diante daquele baú, tenho a certeza de que os momentos não são concretizados ou guardados dentro de coisas ou brinquedos. Os bons momentos da vida estão guardados nas nossas memórias, e essas lembranças são apenas uma parte do que sou e do que me tornei.
Entender e praticar o desapego é mais do que se desfazer de objetos, é se permitir. É deixar que o melhor de você te conduza rumo a uma espécie de libertação. É como dizer a todas aquelas lembranças que elas são bem-vindas a regressar quando quiserem, e não é preciso ver ou tocar nada para tê-las de volta a qualquer instante. Doar aqueles brinquedos é como dividir com outras pessoas os meus pequenos momentos de felicidade e desejar que eles construam suas próprias lembranças e sejam felizes com eles como um dia eu fui.
Desapego é acima de tudo saber que nos bastamos por nós mesmo e que a felicidade é algo muito maior. E se, por um acaso, ao final desse texto você estiver se perguntando se eu consegui desapegar, respondo apenas que ainda não estou totalmente livre. Mas continuo tentando.
Pinhais, 1 de agosto de 2023.
Daniela Amaral
Excelente reflexão sobre o desapego do material, daquilo que o tempo pode, e vai, deteriorar.