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Reflexões Sobre a Cor e O Raio Verde (1987) De Eric Rohmer

Como objetivo de análise crítica através de materiais visuais e escritos para entrarmos na produção artística de determinado diretor. Iniciamos com o debate dos textos Reflexão Sobre a Cor e O Gosto da Beleza de Eric Rohmer, diretor e crítico francês. 

Me debruçando somente no primeiro texto, ao que o diretor discorre sobre a técnica cinematográfica preceder a arte. A polêmica perante esta frase é discorrida pelo autor, que relaciona a forma como utilizamos a cor no cinema. Segundo Rohmer, a cor de um filme pode desobedecer aos cânones da pintura, já que a óptica do cinema é totalmente diferente da que se estabelece dentro de uma obra pictórica. Essa ideia conversa com o poder de ilusão que o cinema possui, mas que sem esse poder a representação do que nós acreditamos ser “fiel” a realidade não seria possível. Essa inversão de realidade, para o autor, não deve ser recusada, pois esse fato compreende uma outra interpretação da realidade, da qual o cineasta trabalha de sua maneira. 

Esse debate atravessa toda a produção cinematográfica e a geração baziniana da qual o crítico e diretor faz parte, promovendo uma ideia de realidade através da filmagem que glorifica determinadas técnicas em detrimento de outras. Ele alega que essas técnicas oferecem uma forma mais realista de expressar o ‘poder’ da sétima arte de transpor os sentimentos do real para a tela, isso é de maneira prática apresentada no filme O Raio Verde (Le Rayon Vert, 1987) que será analisado no decorrer do texto. 

Mas, primeiramente, se mostra necessário entender a forma pela qual Rohmer construiu sua carreira cinematográfica, e como isso se modifica na feitura deste filme. Sua produção cinematográfica foi tardia. Tendo se tornado um diretor controlador e apegado aos seus filmes, ele conseguiu criar suas obras através de um olhar literário e rígido. O jeito de falar dos personagens se torna pragmático, não deixando lugar para improvisações e seguindo à risca o roteiro, tornando-os apenas instrumentos de verbalização das ideias de Eric Rohmer. O que cria um paradigma entre a crueza humana expressa pelos sentimentos e atuação dos atores, que através de uma narrativa simplista e naturalista se opõe ao roteiro introdução, trazendo uma opacidade, ao que assistimos o filme e entendemos que ali habita a mais pura direção cinematográfica. 

Contudo, ao assistirmos o filme O Raio Verde, vemos que tudo que o diretor prezava em suas produções é de certa maneira posta em segundo plano, ao que o filme foi totalmente improvisado nas falas dos atores. E, ao vermos o cerne da obra, que gira em torno das frustrações amorosas de uma mulher, o diretor consegue imprimir os sentimentos mais íntimos da atriz, Marie Rivière, que demonstra de forma impactante em sua atuação as formas de desejos humanos. Dessa maneira, a escolha do diretor em abdicar da padronização e controle, se mostra assertiva, principalmente quando se debruça aos sentimentos que deveriam ser trazidos à tona pela atriz.  

Acerca da narrativa, ao entrarmos de férias, sempre nos deparamos com o dilema de passar esse período solitário ou com os amigos. Para a personagem principal, Delphine, essa escolha passa por diversas mudanças, culminando em uma jornada de autoconhecimento e, de certa forma, confusão mental. Na história, Delphine termina seu relacionamento, alegando que a decisão foi motivada por questões relacionadas à vida. Em seguida, ela decide sair de férias com uma amiga, mas, no último instante, acaba cancelando com ela para passar as férias com seu namorado. Então Delphine busca de todas as maneiras alguma alternativa para não embarcar nessa viagem sozinha. Pois, ao se deparar com a solidão, o vazio parece sufocante, a personagem em si aparenta sempre estar em busca de preencher essa ausência.

                O destaque da fotografia está na crueza com que as cenas são filmadas, aliada aos belos cenários da Europa, que combinam campos verdes, cidades vibrantes em cores e o mar azul. Essas combinações são magistralmente trabalhadas pelo diretor e pela diretora de fotografia Sophie Maintigneux, realçam a personagem e contribuem para a construção de uma narrativa mais ‘realista’. Além disso, a câmera na mão e o som direto produzem uma crueza na produção do filme, quase como se estivessem vendo um documentário observativo, em que o diretor não participa ativamente da história, mas sabemos que ele está ali acompanhando a vida daquela jovem mulher. 

                Um ponto que chama bastante atenção, é a simplicidade com que o diretor monta a abertura do O Raio Verde. Nesse início temos um frame escrito a mão com as palavras “Lundi, LE juillet” (segunda-feira, julho). Essa simplicidade remonta a produção de um filme caseiro, combinando com a estética documental observativa que permeia toda a narrativa. Quase como se estivéssemos de férias participando da história de Delphine. 

O filme traz um sentimento dicotômico, ao que a narrativa possa se definir como um ‘filme de deslocamento’, pois está entre o limiar de estar no meio do caminho, desamparada, de uma atmosfera de solidão e melancolia, mesmo que a personagem esteja em volta de outras pessoas. É nesse encontro do filme e a simplicidade despretensiosa, que Rohmer conseguiu transmitir a fluidez. Pode se dizer, que O Raio Verde, é um filme em que ‘nada acontece”, mas que na esfera reflexiva, leva o espectador a uma contemplação de como lidar com os próprios sentimentos perante o sentimento de deslocamento social. 


 
 

Definitivamente um filme que em sua essência se torna auto reflexivo. Os diálogos culminam na própria análise da personagem perante aos seus sentimentos e suas escolhas. Entendendo que as respostas para os anseios estavam nos pequenos detalhes, nas cartas ao chão, no vislumbre de uma paisagem. Simples momentos que ao final do filme, culminam para a cena em que a Delphine está acompanhada de Jacques, interpretado por Vincent Gauthier. Os dois estão em um cais, e a personagem fala sobre o fenômeno do raio verde, o último feixe da luz do pôr-do-sol. Nesta cena, Delphine entende que sua vida está melhor, o som do violino se mistura com o diálogo dos personagens e o sentimento que vem após todo o seu percurso abarca Delphine. Que, entende o impacto das relações estabelecidas com as pessoas que encontrou em sua jornada. Esse sentimento se mostra com um forte choro de alívio, enquanto o sol vai emergindo para dentro do mar. Até o momento decisivo do raio de luz verde que desaparece e a tela preta surge.


Julia Oliveira

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