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Foto do escritorDaniela Amaral

Um conto sobre ser

Atualizado: 19 de abr. de 2023



Quando ela entrou por aquelas portas, mal sabia que estava sendo observada. Há quem diga que tudo não se passou de uma coincidência do acaso. Mas, para ela, havia a certeza de que aquele momento era muito mais do que uma traquinagem do destino. Pois ali ela se sentia em seu devido lugar, como um animal em seu habitat natural. Aquele momento foi como voltar ao lar depois de uma longa viagem.


Cercada por todos que a observavam, sentia-se soberana naquele tempo e espaço, ela estava dentro do seu próprio reino. Ali, não havia solidão, tristeza ou vazio, sua alma estava preenchida, saciada. Todos que estava estavam presentes naquele lugar, a observavam de forma curiosa.

Mal ela sabia que muitos carregavam consigo as tragédias do mundo. Naquele momento mágico, ela podia abrir um portal e viver em qualquer universo paralelo, sem medos ou receios.


Ali, o mundo era suficientemente pequeno e cabia em suas mãos. Ela podia abraçá-lo, devorá-lo ou simplesmente ignorá-lo. Nesse pequeno e infinito reino de sonhos e fantasias, ela se vestia de rainha, plebeia, heroína e até de ela mesma. Podia ser uma mulher na dita idade da loba, uma mãe amorosa ou uma vilã no auge da sua perversidade, cheia de amargor e fel. Namorava príncipes, beijava sapos e casava-se com a realidade. Viajava da idade média ao futuro dos carros voadores. Aprendia matemática, física e história. Sim, ali naquele local ela conseguia ser tudo e nada. Podia ser o centro do universo ou simplesmente ninguém.


Sabia que cada um daqueles que a observava, aguardava inquieto e ávido pela sua atenção. Cada um daqueles espectadores tinha sua própria história, possuía o próprio valor. E todos tinham seus próprios segredos.


Também sabia que todos que estavam presentes, haviam sido criados com muito zelo e, por que não dizer, com muito amor por seus progenitores. A ela cabia a honra e a necessidade de protegê-los, um a um, como se fossem seus filhos amados, os quais ela podia acolher embaixo de suas asas maternas. Por mais que, não soubesse quantos eram, nem o nome de todos eles ou o ano em que haviam nascido, ela os amava mesmo assim e os respeitava cada um a seu modo e por suas características peculiares. Eram como um tesouro. Desses que não deve ser guardado, mas sim distribuído entre todos aqueles que possuíam o mesmo respeito e dedicação que ela os regia. Eles, por sua vez, esperavam ansiosos o dia em que ela os colocaria em suas mãos e, delicadamente, acarinharia cada folha, iria ler cada letra e pronunciar cada palavra escrita em suas páginas.


Sim, dentro daquela biblioteca, acomodados nas estantes organizadas de forma precisa e solitária, eles aguardavam o momento em que eles lhe contariam as suas próprias histórias. Ansiavam pelo dia em que juntos iriam rir, chorar ou deixar aflorar qualquer tipo de sentimento por mais primitivo que fosse. Quando ela atravessou a fronteira daquelas portas, soube que seu destino era pertencer a eles e intrinsecamente sabia que o deles era pertencer a ela.


Daniela Amaral



Revisão textual: Jhenyffer Nareski Correia - @j.nareski

3 Comments


Ademir Amaral
Ademir Amaral
Feb 16, 2022

Muito bem, fiz uma viagem aqui. Imagino que a Alice se surpreendeu de forma parecida, quando caiu na toca do Coelho. Isso foi uma bela forma de dizer: Nas entre linhas estão escondidos as mais importantes pistas e revelações. Parabéns, bj.

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Jhenyffer Nareski Correia
Jhenyffer Nareski Correia
Feb 16, 2022

A sensibilidade e a poesia desse texto são extraordinárias. Lembrou-me Clarice e suas reflexões sobre a vida. Que honra poder revisar e ler seus textos, Dani, são fenomenais!

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Convidados
Convidados
Feb 16, 2022
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Obrigada Jhenyffer, por libertar a minha criatividade e me fazer crescer.

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